O cenário energético contemporâneo é marcado por desafios ambientais, econômicos e geopolíticos. Diante da crescente demanda por fontes mais limpas e renováveis, a bioenergia tem se consolidado como uma alternativa viável para diversificar a matriz energética e promover o uso racional de recursos naturais.
Essa fonte tem sido debatida em conferências internacionais, como aquelas promovidas pela Agência Internacional de Energia (IEA) e pela IRENA (Agência Internacional para Energias Renováveis), por representar uma matriz com aplicação descentralizada, adaptável a diferentes realidades territoriais e alinhada às diretrizes de baixo impacto ambiental.
No Brasil, seu uso está fortemente associado ao setor sucroenergético e à agroindústria, o que reforça sua importância no contexto rural e produtivo.
A trajetória da bioenergia no país está vinculada à busca por autonomia energética, ao aproveitamento de resíduos e à agregação de valor à biomassa.
Boa leitura!
O que é bioenergia e por que está em alta?
Bioenergia “é a energia gerada a partir da biomassa, ou seja, de matéria orgânica de origem vegetal, animal ou de resíduos industriais e urbanos”. Essa matriz compreende uma gama de processos que transformam materiais orgânicos — como o bagaço da cana-de-açúcar, resíduos florestais, óleos vegetais e dejetos — em combustíveis, eletricidade ou calor.
Ela está em alta por diversos fatores. Em primeiro lugar, pela necessidade de reduzir a dependência de combustíveis fósseis e as emissões de gases de efeito estufa.
Além disso, a bioenergia permite o reaproveitamento de resíduos agroindustriais e urbanos, agregando valor a subprodutos antes descartados. Sua aplicabilidade tecnológica, adaptável a diferentes escalas e realidades regionais, também favorece sua expansão.
No cenário internacional, a bioenergia se alinha às diretrizes da bioeconomia e da economia circular, sendo considerada uma alternativa de matriz mais limpa, especialmente em países com forte base agrícola como o Brasil.
O crescimento de políticas públicas, como o RenovaBio, e o avanço de tecnologias como a digestão anaeróbica e a pirólise também explicam sua ascensão recente.
De modo geral, o desenvolvimento da bioenergia depende fortemente de políticas públicas de incentivo, como subsídios e metas obrigatórias de mistura de biocombustíveis.
A importância da bioenergia no cenário atual
A bioenergia representa atualmente cerca de 10% do suprimento primário de energia global e pode crescer para até 60% até 2060. Em 2020, por exemplo, enquanto a demanda por outros combustíveis caiu, o uso de bioenergia na indústria aumentou 3% (DUARAH et al., 2022). Vejamos os motivos da importância da bioenergia para o cenário global:
1. Pilar da transição energética
A bioenergia é considerada uma alternativa imprescindível para a transição de sistemas energéticos baseados em fontes fósseis para sistemas mais limpos e renováveis.
Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), para atingir o cenário de desenvolvimento sustentável (SDS), o consumo de bioenergia nos transportes deve quase triplicar até 2030.
No Brasil, a bioenergia já representava 33,7% do consumo total de energia e 70% da energia renovável utilizada em 2024.
2. Sustentabilidade e uso racional dos recursos
O país possui condições edafoclimáticas únicas e vasto território, o que lhe confere protagonismo global na produção de energia renovável. Estima-se que mais de 80% do consumo nacional de bioenergia provém de biomassa renovável ou reaproveitada, reforçando o caráter sustentável dessa fonte energética
Além disso, o aproveitamento de resíduos agrícolas, florestais e urbanos, bem como a cogeração de energia em sistemas industriais, contribui para reduzir emissões de CO₂, ampliar a segurança energética e melhorar a eficiência no uso da terra e da biomassa.
3. Desempenho ambiental e papel estratégico
Em 2019, o uso de etanol e biodiesel substituiu aproximadamente 600 mil barris de petróleo por dia, evitando a emissão de 69,6 milhões de toneladas de CO₂ equivalente. A geração de bioeletricidade contribuiu com uma redução adicional de 2,8 milhões de toneladas de CO₂ equivalente.
A projeção da participação de etanol e biodiesel até 2025 na mistura de combustíveis no Brasil. O etanol mantém estabilidade próxima de 29%, enquanto o biodiesel apresenta tendência de crescimento, podendo atingir cerca de 26% até 2025 conforme padrões atuais.

Fonte: Nogueira; Capaz e Lora (2021).
A implementação da política pública RenovaBio, com seus mecanismos de metas de descarbonização e créditos CBIOs, evidencia a importância estratégica da bioenergia como instrumento de política energética e climática no Brasil.
Biomassa: a base do processo bioenergético
Do ponto de vista técnico, a biomassa pode ser agrupada em cinco categorias principais, conforme sua origem e finalidade:
- A biomassa natural corresponde àquela que se forma espontaneamente nos ecossistemas, como madeira proveniente de florestas nativas, folhas secas e galhos caídos. Apesar de abundante, seu uso energético é limitado por restrições ambientais, pois envolve áreas de conservação e manejo ecológico sensível.
- A biomassa residual abrange os resíduos oriundos das atividades agropecuárias, florestais, industriais e urbanas. Inclui, por exemplo, o bagaço da cana-de-açúcar, palha de milho, serragem, casca de arroz, restos orgânicos urbanos e lodo de esgoto. Essa categoria apresenta elevada viabilidade técnica, pois permite o aproveitamento energético de materiais que, de outra forma, seriam descartados.
- A biomassa cultivada, também conhecida como energética, é obtida por meio do cultivo deliberado de espécies vegetais com finalidade energética. Entre os exemplos mais utilizados estão a cana-de-açúcar, o milho, a soja, o sorgo e espécies florestais de rápido crescimento, como o eucalipto. Essa biomassa é empregada principalmente na produção de etanol, biodiesel e energia elétrica por cogeração.
- A biomassa animal resulta da atividade pecuária e zootécnica, composta principalmente por dejetos orgânicos de bovinos, suínos e aves. Esses resíduos são utilizados em biodigestores, promovendo a geração de biogás por meio da digestão anaeróbica. Esse processo é particularmente importante em propriedades rurais e sistemas integrados de produção.
- A biomassa aquática é composta por algas e plantas cultivadas em ambientes aquáticos. Destaca-se pelo alto teor lipídico das microalgas, o que possibilita sua utilização na síntese de biodiesel, bioplásticos, biofertilizantes e até alimentos funcionais. Por sua elevada taxa fotossintética e adaptabilidade, essa biomassa tem sido apontada como uma das frentes mais promissoras da bioeconomia.
Além de seu valor energético, a biomassa possui função estratégica no contexto da economia circular.
O conceito de reaproveitamento de resíduos, especialmente na forma residual, permite integrar cadeias produtivas distintas, reduzir o volume de descarte em aterros e limitar a emissão de gases de efeito estufa.

Principais fontes de bioenergia no Brasil e no mundo
A produção de bioenergia está diretamente relacionada à disponibilidade de matérias-primas orgânicas. Globalmente, as principais fontes utilizadas para esse fim variam conforme a vocação agrícola, florestal e tecnológica de cada região.
No entanto, todas compartilham um ponto comum: a origem renovável da biomassa que serve como base para os diferentes vetores energéticos.
No Brasil, a biomassa agrícola é o principal insumo para geração de bioenergia. A cana-de-açúcar se destaca como a mais importante fonte primária, fornecendo matéria-prima tanto para a produção de bioetanol quanto para a cogeração de eletricidade a partir do bagaço e da palha.
Essa biomassa representa aproximadamente 17% da matriz energética nacional, sendo fundamental para o funcionamento de usinas termoelétricas e para a substituição de combustíveis fósseis no setor de transportes. Além da cana, o país utiliza outras fontes relevantes, como:
- Lenha e madeira de reflorestamento, amplamente empregadas em caldeiras industriais e secadores;
- Milho, especialmente no Centro-Oeste, como base para a produção de etanol de segunda geração;
- Resíduos orgânicos urbanos e industriais, que alimentam biodigestores e sistemas de geração de biogás e biometano;
- Óleos vegetais, como soja, mamona e dendê, utilizados na produção de biodiesel.
A combinação dessas fontes coloca o Brasil entre os maiores produtores globais de bioenergia, com destaque também para sua liderança na produção de bioetanol, ocupando a segunda posição mundial, atrás apenas dos Estados Unidos.
No cenário internacional, as fontes mais utilizadas variam. Nos Estados Unidos, o milho é a principal cultura energética, usado predominantemente para a produção de etanol.
Já na União Europeia, a ênfase recai sobre o uso de pellets de madeira, aproveitados em sistemas de aquecimento e geração elétrica, além de resíduos agrícolas e oleaginosas para biodiesel.
Na Ásia, especialmente na China e na Índia, há uma forte expansão no uso de resíduos urbanos, restos vegetais e esterco animal para produção de biogás, sendo a digestão anaeróbica uma das rotas mais incentivadas por políticas públicas locais.
A tabela 1, a seguir, resume as principais fontes de bioenergia utilizadas no Brasil e no mundo.
Tabela 1. Características relevantes das diferentes formas de bioenergia derivadas da biomassa
Formas de bioenergia | Estado físico | Principais características da bioenergia | Tipos de biomassa explorados |
Bio-hidrogênio | Gasoso | Alta energia por unidade de peso. Combustível livre de carbono, já que o único produto da combustão é a água. Não tóxico. | Resíduos agrícolas e alimentares, águas residuais, resíduos florestais, resíduos de processamento agrícola. |
Metano | Gasoso | Abaixo de –162 °C, é licuado. Acima de –82,5 °C, é gás Pode ser transformado diretamente em energia elétrica e térmica. Combustão libera calor natural substancial (890 kJ/mol). Baixo consumo de oxigênio. | Lodos, resíduos agrícolas, resíduos urbanos, águas residuais, resíduos de gado e aves. |
Biometanol | Líquido | Produzido por gaseificação. Fácil de armazenar e transportar. Alta densidade energética (19,9 MJ/kg). Baixa poluição. | Cultivos agrícolas, culturas energéticas, resíduos agrícolas, resíduos de gado e aves. |
Bioetanol | Líquido | Hidrocarboneto. Sem impurezas como o enxofre, comparado à gasolina, portanto não emite poluentes. Produção de baixo custo. Pode ser usado puro ou misturado à gasolina para motores de carros, motos, ônibus e outros veículos. | Resíduos agrícolas, resíduos de processamento agrícola, bagaço de cana, resíduos de alimentos, resíduos industriais biodegradáveis. |
Biobutanol | Líquido | Devido à estrutura do carbono, tem maior teor de energia do que o etanol. Alta densidade energética e alta miscibilidade com gasolina. Baixa volatilidade. | Resíduos agrícolas, culturas agrícolas, álamo. |
Biodiesel | Líquido | Substituto ideal para o diesel fóssil. Alto poder calorífico. Pode ser usado puro ou misturado com diesel. Normalmente misturado ao diesel para abastecimento em postos de combustível e estações de gás. | Culturas energéticas, resíduos agrícolas, óleos vegetais, algas |
Como a biomassa vira energia: rotas tecnológicas
A biomassa pode ser convertida em energia por diferentes rotas tecnológicas, definidas conforme o tipo de matéria-prima e a forma de energia desejada. As rotas se dividem em físicas, termoquímicas e bioquímicas. Vejamos abaixo, cada uma delas com mais detalhes.
Na rota física, a biomassa é apenas processada — triturada, seca e compactada — originando pellets, briquetes ou carvão vegetal. Isso facilita o uso em caldeiras e melhora o transporte e armazenamento.

Fonte: traduzido de Manikandan (2023).
As rotas termoquímicas envolvem altas temperaturas. Na combustão, há queima com oxigênio. A pirólise aquece sem oxigênio, gerando bio-óleo e gases. Já a gaseificação transforma a biomassa em gás de síntese, usado para gerar eletricidade.
As rotas bioquímicas usam microrganismos. A fermentação alcoólica gera etanol e butanol a partir de açúcares. A digestão anaeróbica converte resíduos em biogás, rico em metano, com destaque em áreas rurais.
Vantagens da bioenergia: por que investir nessa rota?
A bioenergia apresenta características que a tornam uma alternativa viável às fontes convencionais. Por ser proveniente da biomassa, sua origem é renovável e seu uso está associado à menor emissão de gases que contribuem para o aquecimento global.
Além disso, permite o reaproveitamento de resíduos agrícolas, florestais, urbanos e industriais, promovendo eficiência no uso de recursos e redução de descarte ambiental.
No contexto brasileiro, essa fonte energética se destaca pela ampla disponibilidade de matéria-prima, como a cana-de-açúcar, o milho e resíduos agroindustriais.
Outra vantagem está na integração com sistemas de produção já existentes. A bioenergia pode ser utilizada em processos térmicos, geração de eletricidade e substituição de combustíveis líquidos, como gasolina e óleo diesel.
Brasil: potência mundial da bioenergia
O Brasil é reconhecido internacionalmente como uma das maiores potências em bioenergia, ocupando a segunda posição global em capacidade energética instalada, ficando atrás apenas da China.
Esse destaque se deve a uma série de fatores históricos, estruturais e tecnológicos que posicionam o país como líder no setor.
Principais razões que justificam seu protagonismo:
- Histórico consolidado na produção de etanol
Desde os anos 1970, com o lançamento do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), o Brasil desenvolveu infraestrutura, pesquisa e escala industrial para a produção de bioetanol a partir da cana-de-açúcar. - Maior frota de veículos flex do mundo
O país lidera globalmente em número de veículos que podem utilizar tanto etanol quanto gasolina, o que estimula o consumo interno e assegura mercado para os biocombustíveis. - Participação expressiva no mercado internacional
O Brasil detém atualmente 30% do mercado global de biocombustíveis, o que reforça sua relevância não apenas na produção, mas também na exportação e no comércio internacional dessa matriz energética. - Diversidade e abundância de biomassa
Com grande área agrícola e clima favorável, o país dispõe de vasta oferta de biomassa, incluindo cana-de-açúcar, milho, soja, resíduos florestais e dejetos agroindustriais. - Avanços em pesquisa e inovação
O país apresenta bons indicadores no índice de prontidão tecnológica da UNCTAD, que considera capacidade industrial, financiamento, inovação e adoção de novas tecnologias no setor energético. - Integração entre política pública e setor produtivo
Iniciativas como o RenovaBio incentivam a produção eficiente e sustentável de biocombustíveis, com metas de descarbonização e emissão de créditos de carbono (CBIOs).
Conclusão
A bioenergia é uma alternativa sólida para enfrentar os desafios energéticos e ambientais contemporâneos. Baseada no uso de biomassa, essa fonte favorece o aproveitamento de resíduos orgânicos e contribui para a redução de poluentes.
Sua aplicação é possível em diferentes escalas, desde pequenas propriedades rurais até grandes complexos industriais, fortalecendo a diversificação da matriz energética de maneira mais limpa.
No Brasil, a ampla oferta de biomassa, a experiência consolidada com o etanol e o fortalecimento de políticas públicas como o RenovaBio reforçam a posição do país como referência mundial no setor.
A expansão dessa matriz contribui para ampliar a segurança no abastecimento, reduzir impactos ambientais e promover a integração de setores produtivos a partir dos princípios da economia circular.
Pós-graduação em Cana-de-açúcar
Quer se aprofundar no universo da bioenergia e dominar a produção de uma das culturas mais estratégicas do setor? Conheça a nossa Pós-Graduação em Cana-de-Açúcar da Agroadvance e torne-se um especialista preparado para os desafios do futuro. É só clicar em SAIBA MAIS!
Referências
COELHO, S. T.; GOLDEMBERG, J.; GUIMARÃES, L. A. (2012). Atlas de Bioenergia do Brasil. Centro de Referência em Biomassa (CENBIO).
DUARAH, P.; HALDAR, D.; PATEL, A.K.; DONG, C.-D.; SINGHANIA, R.R.; PURKAIT, M.K. A review on global perspectives of sustainable development in bioenergy Generation. Bioresource Technology. V. 348, 126791 (2022). DOI: 10.1016/j.biortech.2022.126791.
MANIKANDAN, S.; VICKRAM, S.; SIROHI, R.; SUBBAIYA, R.; KRISHNAN, R.Y.; KARMEGAM, N.; SUMATHIJONES, C.; RAJAGOPAL, R.; CHANG, S.W.; RAVINDRAN, B.; AWASTHI, M.S. Critical review of biochemical pathways to transformation of waste and biomass into bioenergy. Bioresource Technology. V. 372, 128679, 2023. DOI: 10.1016/j.biortech.2023.128679.
NOGUEIRA, L. A. H.; SOUZA, G. M.; COELHO, S. T.; et al. Bioenergia no Brasil: onde estamos e quais nossos horizontes. Revista Brasileira de Energia, v. 27, n. 3, Edição Especial I, p. 9–45, 2021.
Sobre o autor:

Alasse Oliveira da Silva
Doutorando em Produção Vegetal (ESALQ/USP)
- Engenheiro agrônomo (UFRA) e Técnico em agronegócio
- Mestre e especialista em Produção Vegetal (ESALQ/USP)
Como citar este artigo:
SILVA, A.O. Bioenergia: o que é, tipos, vantagens e como aplicar. Blog Agroadvance. 2025. Disponível em: https://agroadvance.com.br/blog-bioenergia/. Data de acesso: xx Xxx. 20xx.